quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Angélica, a Marquesa de Anne e Serge Golon

As histórias da vida de Angélica de Sancé de Morens, nascida em Monteloup, no Poitou, no século XVII, somam 14 volumes lançados no Brasil pelo Círculo do Livro, em capa dura. Também foram lançados pela Nova Cultural, em 1989, dividida em 26 volumes, com papel de jornal, e capas que remetem somente às aventuras românticas de Angélica.
A história de Angélica passa pela França – Monteloup, Toulouse, Paris, Marselha, La Rochelle – e chega ao Canadá, em Quebec. Nesse intervalo, que cobre aproximadamente 30 anos, a heroína passa ainda pelo Mediterrâneo, por Creta e Malta, Argélia e Marrocos.
Os livros, além da pesquisa histórica sobre os lugares e os personagens reais, ainda nos insere no pensamento da época. Luiz XIV, o Rei Sol, e o Iluminismo nascente. As teorias econômicas e filosóficas, os pensadores da época, os grandes nomes e os grandes feitos. Tudo ganha vida, na obra de Anne e Serge Golon.
Angélica, a personagem, é uma mulher que nasceu na baixa nobreza, criada de pés descalços, no conforto de um castelo decadente Andando com os camponeses, sem assumir as distinções de classe, apesar de consciente do tratamento deferente que recebia, sendo filha de um barão da região.
Quando Angélica entra na fase adolescente, seu pai inicia um comércio de mulas (para desgosto dos parentes da alta nobreza, que faziam chacota – o comércio não era atividade nobre, somente a guerra o era) e Angélica e as irmãs são mandadas para um colégio de freiras, em Poitiers, para serem educadas como jovens nobres e se prepararem para o destino comum: casamento.
Angélica sabe disso, e questiona, mesmo sabendo da inevitabilidade de seu destino.
Por sorte (é um romance, né, gente?) ela é “vendida em casamento” a um nobre da região sul da França, da província de Toulouse, o Conde de Peyrac, Joffrey, por quem se apaixona. Doze anos mais velho, ele é um ancião para a adolescente de 18 anos, e ainda é coxo (manca de uma perna), com uma enorme cicatriz no rosto, que o desfigura, e a fama de bruxo e alquimista, mas depois de ser tratada como uma adulta, e mais ainda, como um ser humano inteligente e capaz, pelo marido, Angélica se rende a um amor que é épico… (suspiros)
O Conde Joffrey de Peyrac é um nobre que questiona seu papel como mero coadjuvante nas guerras. Questiona as próprias guerras reais, uma vez que, ainda bebê, foi agredido e ferido por soldados do Rei de então, nas revoltas protestantes. Questiona e usa os conhecimentos que adquiriu sobre metais para fazer a própria fortuna, o que, obviamente, o torna menos dependente dos reis e dos bispos, e assim, uma ameaça.
Joffrey é perseguido, julgado em um arremedo de Inquisição, e sua esposa, aos vinte anos, grávida do segundo filho, o vê sendo, supostamente, queimado vivo em praça pública, para o deleite da multidão.
Angélica se vê renegada pelos antigos bajuladores da época de esplendor, e pela própria família, que teme o mesmo destino. Para sobreviver, vai viver nas ruas de Paris, entre mendigos e assassinos, onde reencontra um antigo servo de seu pai, que se tornou um grande nome entre os desalojados do “Pátio dos Milagres”, local nas antigas muralhas de Paris onde a população miserável se escondia e sobrevivia, à custa dos pequenos milagres – falsos deficientes, que simulavam doenças para angariar esmolas e cometer pequenos furtos contra a nobreza e a crescente burguesia. No “Pátio dos Milagres”, a Condessa de Peyrac se torna “A Marquesa dos Anjos”, nome pelo qual ficará conhecida na série.
Posteriormente, à custa de trabalho, esforço, chantagens, tramoias e muita ousadia e inteligência, nossa heroína vai recuperar seu lugar na Corte. Se casa com um Marquês e será, até mesmo, cotada para ocupar o cargo de amante real; um cargo muito disputado, mas que ela recusa.
Em consequência desta recusa é de novo lançada ao ostracismo e foge para o Mediterrâneo, para aonde vai em busca da verdade sobre o que aconteceu com o primeiro marido, Joffrey. Supostamente queimado vivo esse personagem ressurge numa reviravolta nos fazendo saber que recebeu o perdão real na última hora desde que se mantivesse escondido. Ele consegue fugir e se torna um pirata.
Angélica sofre todo tipo de violência. É estuprada duas vezes no decorrer da história e tem uma filha, fruto de um desses estupros. Perde um filho, assassinado, na mesma noite em que é estuprada por um batalhão de soldados.
Após tal fato, ela se revolta contra o rei e pega em armas, liderando a província do Poitou contra o rei Luiz XIV.  Durante esta revolta, as reflexões de Angélica sobre a guerra, sobre a intolerância religiosa, sobre o papel da mulher, são profundas e angustiantes.
E após ser derrotada, ver seus amigos presos ou mortos, ela consegue, ainda, se disfarçar, e sobreviver com a filha, a quem aprende a amar (a filha do estupro, a filha que ela tentou matar no ventre, e tenta matar ao nascer, abandonando a criança em um convento), como criada de uma família hugenote (protestante), na cidade de La Rochele.
De lá, ela vai para o Canadá…
Bem, eu poderia contar mais, mas vai ficar enorme e não vai chegar nem perto do que é a saga, e ainda vou estragar a surpresa para quem não leu os livros.
Filosofia, religião, história, feminismo.
Sim, é uma história cheia de reviravoltas. E, sim, foi vendida, contra a vontade da autora, como um romance açucarado (não que eu tenha nada contra, muito antes pelo contrário, você pode ver aqui mesmo no Blogueiras Feministas, no meu post “Água com açúcar, sim, por favor!”) e não como o epopéia histórica que na verdade é.
Em português, mesmo com toda a parafernália de internet, não encontrei quase nenhum texto sobre Anne ou sobre a obra mais famosa. Mas em inglês, língua na qual a saga sequer foi inteiramente traduzida, devido à batalha judicial pelos direitos autorais, encontramos vários textos, entre eles, um que diz que “The Angélique series is to historical fiction what the Lord of the Rings is to fantasy – the original, epic work that set the standard and still does.” (A série Angélica é para a ficção histórica o que O Senhor dos Anéis é para a literatura de fantasia: o original, o trabalho épico que estabeleceu o padrão, e ainda estabelece).
Se é exagero, não sei, mas posso afirmar que, como uma adolescente que adorava história, e tinha acesso a enciclopédias e livros que a maioria dos adolescentes não tinha, no ínicio da década de 90, o trabalho de pesquisa histórica é fascinante e enriquecedor.
Com Angélica e sua trajetória pelo mundo e pela vida, eu aprendi mais sobre o mercantilismo e a Reforma Protestante que com qualquer livro de história ou professor de ensino médio. Me despertou a curiosidade sobre outros países, sobre filosofia e arte, sobre as nações indígenas no Canadá, e eu li O Guarani com outros olhos depois de ler as aventuras de Angélica.
Não busco leituras por serem “feministas” ou terem personagens “feministas” – e aos treze anos, quando li “Os amores de Angélica”, eu nem sabia o que era feminismo.
Mas quis falar aqui sobre essa obra, não só pela heroína, nem só pela história da autora Anne Golon, mas porque, se houver um teste Bedchen sobre os livros, A Marquesa dos Anjos passaria com louvor.
Existem vários personagens femininos, fortes, com nomes. Elas conversam entre si. E não falam sobre homens o tempo todo!
Como disse um artigo em um site, em ingles, que busca divulgar a autora e sua obra:
As capas enganosas, frequentemente retratando uma Angélica escassamente vestida em absurdas roupas fora do período histórico descrito, a classificação enganosa dos livros como romance, ou até eróticos, e os filmes, que infelizmente, enquanto apresentavam Angélica a milhões, a colocaram como uma sombra rasa e egoísta de seu verdadeiro caráter, contribuíram para que os livros fossem vistos como literatura inferior, desmerecendo o incrível trabalho de pesquisa e ambientação histórica

Alguém não gosta da vida?

 Blog virou cringe

Na onda do "mds" ou "pvt" ou "lol" parece que escrever muito é démodé. O tempo do ler e escrever foi substituído por  ouvir e assistir. O mundo virtual foi invadido pela vida audiovisual.

Tudo bem. Não sou saudosista.

Mas certas coisas não podem ser escritas em 150 caracteres e sou assumidamente contra a divulgação da minha imagem. Mas isso é um traço de personalidade que nem toda experiência tictociana conseguirá mudar.

Não sou cringe. Sou velha demais pra isso. Tenho quase 50 e poderia ser mãe de um Millenium, na verdade. Mas não sou também. Então, só os compreendo teoricamente ou por amigas ou terapeutas. 

Mas não é sobre isso.

Hoje quis fazer um blog. 

Enquanto penso sobre o blog e o que quero deixar registrado nesse mundo esquisito pra ninguém ler me veio o nome do Blog: ALGUÉM NÃO GOSTA DA VIDA?

Essa frase me faz pensar sobre tanta coisa.

Daria um podcast, mas eu quero mesmo é escrever.

Para ninguém, mas escrever

domingo, 24 de maio de 2020

Notas do Caminho

O nome de um blog que eu tive entre 2007 e 2011 e perdi. Simplesmente. Eu o vejo, mas não o acesso. Não tenho como provar que é meu. Não tenho mais acesso ao endereço que utilizava. Nove anos não parece ser muito para a memória da internet, mas parece ser para a minha. Incrível. Eu tinha três endereço naquele período e não lembro de absolutamente nenhum. Acho que a vida não ia bem e quando ela começou a ficar bem de novo, eu quis apagar a década anterior. Deve ter sido isso. Mas eis que estou de volta querendo essa década de volta, tentando lembrar e apelando para a memória da internet. Enquanto escrevo me veio essa ideia, fazer um "notas aqui". Diferente plataforma, mesmo conteúdo. Ou seja, continuar a espalhar notas pelo meu caminho e, quem sabe, aprender algo com elas um pouco mais à frente. Talvez eu faça isso.

sábado, 21 de julho de 2018

Lá Land... não existia, afinal.

O que La La Land quer nos dizer? Que tudo tem um jeito de tudo dá certo?
Assisti recentemente e sem ter lido nada sobre o filme, me joguei na trilha maravilhosa, nas cores, na fotografia, na atuação.
Um belo filme de sessão da tarde em um sábado à noite.

E não era sobre isso, afinal.
Não era um filme sobre o amor, era um filme sobre o sucesso. Sorte no jogo, azar no amor? O que falar de casais que se anulam  e que para seguirem sucesso precisam se separar?

A verdade é que não prestei muita atenção ao filme até os seus momentos finais quando você descobre que o final feliz não envolve a felicidade de todos os ângulos.
Apesar da clara homenagem aos filmes dos anos de 1950/1960 com um figurino e cores fortes quase como uma animação, não é absolutamente óbvio e nem clichê. E a última cena nos faz pensar exatamente isso: é assim mesmo.

Mas estão todos felizes, todos realizados e mesmo assim não é o tipo de final feliz que tinhamos em mente.
Então, agente saca, como sacou em Frozen ou em Moana (eu tô falando de Disney? É, estou): o mundo não é mais tão simples, por que seriam os filmes.

Os celulares nos lembram no filme que apesar de Mia e Sebastian estarem bailando pela cidade com uma orquestra que sai das nuvens como mágica, eles não estão no mesmo tempo que Gene Kelly e Debbie Reynolds, nem no mesmo contexto. Não há mais Guerra Fria e nem dois lados da moeda. Nem há mais moeda. Há indvíduos em suas individualidades tentando sobreviver.
É disso que se trata sobrevivência. Pura e simplesmente.

O filme todo é a sequencia final. Tudo o que antecede é uma imensa e bela introdução. Pra que se entenda que, afinal, final feliz tem mais de uma dimensão e mais de uma perspectiva e que o jogo pode virar em apenas um beijo.

terça-feira, 15 de maio de 2018

Um estudante entre estudantes

Essas impressões acontecem enquanto assisto ao filme junto com os meus alunos de Fundamentos da Psicologia Educacional. A atividade é o fechamento de uma discussão de 5 semanas em torno do desenvolvimento humano a partir da perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento.
O filme é uma produção... tendo...como protagonista no papel de Chano e ...no papel de... e no papel de ... Um elenco de atores e atrizes tentam retratar o cotidiano de uma universidade na cidade espanhola de...

"Não sei como começou"

E uma linda canção executada por um violisnista nos leva ao "novo lar" de Chano e seus colegas de curso

Aula Magna, inscrição, primeiro dia de aula, grupos de trabalho, atividades extra-curriculares e, claro, festas. Tem aluno relapso, amores, decepções, dramas, alegrias. Tudo isso num universo jovem e adulto próprio do espaço representado.
A velhice aparece em dois contextos: o zelador e O estudante, título do filme. É o filme é sobre Chano e sua aventura na volta aos bancos escolares no universo do ensino superior. O que chama mais atenção no início do filme é a disposição de Chano de se conectar com os alunos mais jovens. Seja na música, na dança, nas atividades de socialização, nas aulas, nas expressões verbais e não-verbais típicas desse grupo de humanos. Mas essa é uma disposição em mão dupla. E isso é bom.
Há várias pequenas tramas se desenvolvendo enquanto vemos o caminho de Chano na busca por sua educação superior.

"Certas coisas não deveriam mudar, como os clássicos que nunca mudam"

Outro destaque importante é que os personagens - jovens, adultos e idosos - são apresentados a partir de várias dimensões de personalidade não caindo num generalismo muito comum quando focamos, em um filme, num lugar específico do desenvolvimento humano. Ainda assim, é na tentativa de evidenciar diferenças há cenas em que esse mundo idílico de "antigamente era melhor" torna-se meio caricato sempre idealizando o velho como sábio e o jovem como aprendiz. Ou como protetor, como na cena em que ele defende a honra da estudante grávida do professor de Literatura ou  como se ocupa de ensiná-losMas não tira o mérito da discussão sobre as relações entre as faixas etárias apresentadas no decorrer do filme.

" As grandes obras estão cheias de sabedoria (cena do café onde eles treinam D. Quixote)

Uma nova dinâmica de saber é apresentada na interação entre jovens e idoso, entre adultos e jovens entre jovens e adultos e entre idosos e idosos. A relação com as crianças é sempre a mesma: curiosidade, alegria, aceitação, imaginação.

" Chano nós viemos aqui por que queremos que vocês nos ajude"

Sabedoria, experiência, conhecimento prévio e, de repente, Chano dirigia os jovens no Palco e na vida

" Façam o favor de colarem as suas máscaras e sejam o que quiserem ser"

Amante apaixonado,  cantor romântico, estudante exemplar, amigo de todas as horas, namorado ousado, namorada recatada. O que quiser. A vida vai dizendo e eles vão respondendo dentro do filme que traz um cotidiano, perceptivelmente, temporal. Idosos em um mundo de jovens. Convivendo. Com amores e dores, como a rosa caída ou o choro solitário nos lembra quem nem sempre é possível colocar a máscara.

E aí, apesar de tudo, tudo muda. Como sempre.

A morte ronda o desenvolvimento humano. É parte doa cordo com a vida. Mas, sem dúvida, ela ronda mais fortemente o universo do idoso e isso é trazido em dois momentos

"Rapazes, vamos tocar como nunca por que, quem sabe, essa é pode ser a última vez"

" Abra a cabeça deles para que não sejam egocêntricos, ensine-os a amar"

Com muitas frases de efeito e bastante moralista  sobre escolhas e modos de vida, ainda assim é um excelente oportunidade para pensar o nosso lugar no mundo enquanto aqui estamos.

O zelador se torna Diretor da peça e o filme só mostra a performance deste e não a do professor. Enquanto Chano ajuda

O filme é sobre como podemos aprender a amar. E um aprendizado a ser ministrado pelos mais velhos aos mais novos e além dos muros de uma educaçaõ superior.

Pessoalmente, não acho que possamos pensar de forma tão definida quem educa quem.
Mas é uma ficção e só funciona aqui como ponto de reflexão sobre esses encontros de gerações que nos dizem que somos uma humanidade em desenvolvimento. Todos aprendendo com todos o tempo todo.

É romântico, é bobo, mas convida à reflexão, Vale assistir e pensar sobre quem sou nessas relações e pra onde vou.



segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A caixa

Eu sei o que é. Sei até o que tenho que fazer. Não é fisico, nem mesmo mental. É emocional. Mas não tenho como mudar isso,  nem fazer desaparecer, nem transformar. É como uma caixa muito, muito, muito pesada que não consigo erguer. E eu precisaria erguer para que alguma mudança no meu humor, na minha esperança, na minha perspetiva mudasse. E então você me diz: "alguém pode lhe ajudar a erguer". É, pode. Algumas pessoas já quiseram, mas o problema é que ela é muito, muito, muito pesada e no meio as pessoas pensam "pq vou ficar me esforçando tanto? Tenho minhas próprias caixas pra erguer" E me deixam com a caixa muito, muito, muito pesada. E seu peso me faz derrubar a caixa e eu caio junto com ela. No chão eu penso que o melhor é deixa-la lá mesmo pelo menos se não tentar ergue-la posso ficar de pé, ao lado da caixa muito, muito, muito pesada. Melhor triste do que caída.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Layla e eu

Escrevo do aparador da cozinha enquanto faço o jantar. Uma frase e uma ida ao fogão. Outra frase e uma ida à pia. Mais um e vou me virando entre as duas que me habitam neste fim de tarde chuvoso. Sou nordestina. E hoje encontrei uma israelita. Nos encontramos. Mais eu a ela, do que ela a mim. Mas tanto faz: acho que ela esperava que assim o fosse. Pelo menos, eu escrevo.

Este blog é para mim. Apesar de supostamente ser um blog sobre cinema e literatura, ele não é convencional. Aqui minhas impressões vem do que vejo e leio e, portanto, do que a juventude convencionou chamar de spoiler. Não acredito que alguém vá lê, mas para evitar quaisquer paranoias nesse sentido já vou dizendo: conto aqui começo, meio e fim do filme Tempestade de Areia.

Layla é uma jovem muçulmana habitante de uma vila ao sul de Israel. Mora com sua mãe e as três irmãs. Seu pai nos parece um transgressor: ensina a filha a dirigir, deixa que ela vá à faculdade, permite que as filhas menores usem calças, fiquem na presença de reuniões de homens. Mas o sistema é opressor e, aos poucos pelos olhos de Jalila agente vai percebendo.

Algumas coisas são pura intuição. Numa cultura tão opressora sobre o feminino, uma mulher ter quatro meninas e nenhum menino não deve ser nada bom para a mulher en questão. Por isso, encontramos Sulliman, numa celebração de segundas núpcias com uma mulher mais jovem. Enquanto sua primeira esposa tenta lidar com a situação, com essa espécie de rejeição, é possível vislumbrar o cotidiano dessas mulheres e homens, distantes do glamoroso mundo das dançarinas do ventre que o ocidente aprendeu a endeusar. No universo de Layla não há glamour somente um ciclo permanente de opressão dos homens sobre as mulheres e do sistema sobre todos eles.

Layla se apaixona por um rapaz de outra tribo. Ela acredita que seu pai a apoiará. Afinal, ele não a ensinou a dirigir? Não a deixou ir à faculdade? Sim, ele é transgressor. Layla não vê o que acontece. Não percebe que sua mãe foi rejeitada por não dá um herdeiro ao pai. Que seu pai preferia está com uma só esposa Não percebe que a segunda esposa ficou com seu pai por falta de opção. "Cresce, Layla". Existem aqui modelos geracionais que não podem ser esquecidos, suprimidos ou relevados. Sua mãe é banida por se opor ao casamento arranjado, por questionar seu papel de homem. Mas tudo que ele quer é ficar com ela, é aceitá-la de volta. Mas precisa fazer o que tem que ser feito. Ela ainda tenta a alternativa, mas esta alternativa não dará alternativa a outras quatro pessoas. E eles se amam. Então, Layla casa com um homem da tribo e que seu pai escolheu. E entra no ciclo.

Eles nascem livres - meninos e meninas - mas são subjugados pelo costume e pela tradição religiosa. Não é que não se questione; sim, se questiona. Mas é como não se pudesse fazer nada. É preciso se fazer assim, não há alternativa. Ela até aparece, como uma miragem no deserto, mas quando nos avizinhamos dela...puf! Sumiu.

Neste filme não é o pai que oprime, não é a mãe que tenta fazer permanecer o ciclo, são as novas gerações que sei lá por que (talvez ausência de consciência concreta da realidade dada, como diria Marx) não consegue deixar o ciclo, como no vórtice maluco de um filme hollywoodiano qualquer. E esse nem foi feito em Hollywood ou Bollywood.

Então, o filme acabou. Era quase noite. Desliguei o notebook. Vim pra cozinha e fui pensar o que fazer para o jantar. "É mãe, pelo menos eu escrevo".